Foto: Arquivo pessoal
“Torço por todos os times do Amazonas”. Assim definiu Daniel Salles, 55 anos, manauara de berço, pai de 10 filhos e avo de 5 netos, sobre sua paixão pelos times do futebol local. Compositor de 12 hinos de clubes, Daniel se confunde também com seu trabalho no futebol e o carnaval amazonense, com pouco mais de quatro décadas. Graduado em economia, antropologia e psicologia, além de ter estudado geografia e engenharia, conheça um pouco a história do também compositor musical, com mais de 60 obras gravadas, em vários gêneros musicais, além do trabalho de pesquisador cultural e escritor.
SPORTS MANAUS – Daniel, você é compositor de praticamente quase todos os hinos dos clubes do futebol amazonense. Como surgiu seu interesse e a inspiração de compor e escrever as letras?
DANIEL – Surgiu com o meu saudoso amigo Amadeu Teixeira. O América de Manaus não possuía hino. O que rodava nas rádios era o do América carioca. Quando o time amazonense completou 60 anos de fundação, lá no Vivaldão (seu Amadeu tinha um bar no estádio) propus, por primeiro a um dos filhos dele (o saudoso Alessandro), depois a ele mesmo. Cantei pra ele ali mesmo no bar. Ele ficou emocionado e disse que ia falar com a família americana. Todos aceitaram. No total são 12 hinos (sendo que um aguarda oficialização). A inspiração para escrever surge da paixão de torcedores pelos seus clubes. Ponho-me no lugar de cada um. Daí fluem à música e a letra. Faço com muita paixão.
SPORTS MANAUS – Para criar o hino de um clube, você procura saber sobre a história, curiosidade, detalhes, enfim, como funciona esse dinâmica para realizar esse trabalho?
DANIEL – Na verdade sou pesquisador e tenho na mente todo um pré-estudo sobre o clube. Por exemplo, o do Clipper. Conheci, um já saudoso fundador. Ele estava lá no dia 1ª de junho de 1952 na fundação do clube. Para cada hino, procuro me espelhar na história. Alguns hinos compostos tem em sua letra e a data de fundação do clube.
SPORTS MANAUS – Qual foi o hino mais difícil que você produziu ou o mais inusitado que conseguiu realizar até hoje?
DANIEL – Quando se usa a paixão não ficam difíceis. O que pode ser difícil é o tempo despendido para arrumar o pessoal que vai gravar, estúdio, etc. Ou, às vezes, a morosidade de um ou outro diretor. Mas, no final dá tudo certo. Houve hino que foi composto, mas que demorou até 4 anos para ser gravado. Também há as pessoas que “pulam de paraquedas” e tentam fazer um trabalho sem tanto compromisso assim.
SPORTS MANAUS – Daniel, você foi o pioneiro no webjornalismo esportivo na década de 1990. Você acredita que seu trabalho impulsionou hoje, as mídias esportivas que trabalham na internet?
DANIEL – É, meu amigo. Fomos o pioneiro da Internet no Amazonas com as Home pages (sites) sobre cultura popular, Carnaval, Boi-bumbá, futebol etc. Isso aconteceu em 1995. Eu havia criado uma empresa e a mesma serviu para a internet também. Fomos o primeiro veículo a fazer esse trabalho na então, “nova mídia”. Em 2018, a GRES Ipixuna nos homenageou em seu desfile no Sambódromo. Seria interessante ver o vídeo no YouTube ou, mesmo, ler a letra do samba.
SPORTS MANAUS – Fale um pouco de sua trajetória no carnaval amazonense e a contribuição ao longo de quatro décadas dedicados ao samba?
DANIEL – Iniciei auxiliando na confecção de carros alegóricos e ala-força. Anos depois auxiliando na confecção de fantasias. Passei por bateria, harmonia e ala de compositores, diretorias de escolas, puxador, comentarista de desfiles, etc. Sou do conselho da Sem Compromisso e da diretoria da Ipixuna, mas participei também em outras escolas. Por exemplo, fui relações públicas do Grupo 1, no início do Século XXI. Ali eram várias escolas. Meu início foi na GRES Vitória Régia em 1980. Sobre sambas-de-enredo, foram mais de 40, em diversas agremiações, porém, sempre em parceria, pois samba, não se faz sozinho.
SPORTS MANAUS – O fato de você se envolver com samba, facilita o trabalho quando vai criar o hino de algum clube?
DANIEL – Sim, bastante. Componho não só para o samba. São jingles políticos, comerciais, gospel, toada, marchinhas, etc. Minha primeira composição foi uma música cristã, lá pelos anos de 1982. Depois veio o restante para as escolas de samba, marchinhas carnavalescas, jingles políticos, comerciais e os hinos dos clubes.
SPORTS MANAUS – Você tem um trabalho no carnaval, mas esse segmento se alia ao futebol, pois são duas paixões que correm no sangue do povo brasileiro?
DANIEL – Sim, por exemplo: nas redes sociais da web sempre vejo isso – essa junção. É um bom casamento. Participo de alguns grupos na web, onde lá são diversos os sambistas que curtem o futebol. Infelizmente, a maioria é dos chamados “amariocas”.
SPORTS MANAUS – Você foi homenageado uma vez por uma escola de samba. Qual foi a sensação de ter recebido essa reverência?
DANIEL – Por primeiro, em 2016, a GRES Tradição Leste ia me homenagear, mas, como falou o seu presidente, à época, era um enredo muito vasto e a escola não poderia mais fazer a homenagem. Em 2017, foi a vez da Meninos Levados, só que a escola, sem recursos, não desfilou. Em 2018, finalmente a GRES Ipixuna nos homenageou. Imagine algo que você gosta muito … homenagear alguém que está no samba há tanto tempo… fiquei muito emocionado.
SPORTS MANAUS – Você tem um trabalho no carnaval e outro alusivo com o futebol amazonense como historiador. Ambos os segmentos são duas paixões que mexe muito no seu íntimo?
DANIEL – Muito. Para mim tem tudo a ver. Eu sempre consegui unir estas paixões. Carnaval, tem um tempo menor para trabalhar, já o futebol é o ano inteiro. Você precisa ficar “antenado” com as novidades, tanto do futebol, como das escolas de samba.
SPORTS MANAUS – Sobre o carnaval amazonense, você acredita que o melhor momento foi quando houve a transmissão para todo o Brasil, mas ficou no passado e o carnaval não evoluiu?
DANIEL – Sim, em 1993, a Band deu vários flashes para todo o Brasil. Finalmente em 1994, tanto a Band como a extinta Manchete, vieram cobrir na íntegra os desfiles. O Sambódromo inaugurou com todas as arquibancadas naquele ano, com cerca de 100 mil pessoas. Mas, o Carnaval de São Paulo já vinha sendo incentivado pela Rede Globo e deu um salto de qualidade nos desfiles, pondo Manaus para trás. Antes a capital amazonense tinha o segundo melhor Carnaval. Ainda é um dos melhores, mas, por viários fatores não evoluiu tanto o quanto mereceria. Costumo dizer que as escolas de Manaus fazem muito com pouco. Existe um trabalho nosso na UFAM, de Economia da Cultura, que retrata bem isso.
SPORTS MANAUS – Na sua opinião, após a realização dos jogos da Copa do Mundo de 2014 em Manaus, os clubes locais não souberam aproveitar toda mídia do mundial para crescer futebolisticamente em todos os sentidos?
DANIEL – Essa mídia só serviu, infelizmente para “inglês ver”. São públicos diferentes. Tem gente que nunca foi para o estádio, só quando vem time do eixo Rio-São Paulo jogar. Tem gente que paga sorrindo, por exemplo, R$250 para ver a Seleção Brasileira jogar. Tem gente, principalmente da “Geração Nutella”, aquela pós ECA que dá a vida por um show dos sertanejos universitários. Ou seja, valores bem diferentes, em relação a nossa época de jovem.
SPORTS MANAUS – Se você tivesse o poder de mudar o futebol amazonense, o que faria para que isso se tornasse realidade?
DANIEL – Por uma questão cultural, creio que as novas mentalidades começaram a dar certo. É o clube-empresa. Corrida em buscas de patrocínio, etc. É a nova realidade. Investir em base é ótimo. Mas, quando o garoto se destaca já tem o empresário o levando. Os clubes tem que se profissionalizar para valer. A luta é árdua, mas é tangível. Venda de camisas, promoções, criação de um departamento de marketing também. Outra: não pode haver muitos caciques pra pouco índio. Muita gente mandando, a coisa dá para trás. Quando surgiu a internet, nós pusemos todos os clubes na mídia de então, com notícias, histórico, símbolos, etc. Fizemos a nossa parte.
SPORTS MANAUS – O que você espera do futebol amazonense para o futuro em termos de desenvolvimento técnico e tático, organizacional, divulgação, marketing, gestão esportiva, enfim, para conquistar uma evolução dentro do futebol como um todo?
DANIEL – Temos que ver que em todo lugar há isso agora. Então, tem que ser agudizado tudo isso, e tentar fazer a diferença com algo inusitado. Outra: levar às escolas municipais (falar com o prefeito e com a vereança) para se levar o futebol local para as escolas: jogos interescolares, palestras, etc… para a criança começar a gostar do futebol local. Isso é investimento à médio e à longo prazo.
SPORTS MANAUS – Daniel, você gosta muito de escrever e tem 15 obras produzidas, sendo que 4 foram publicadas. Fale um pouco sobre esse trabalho?
DANIEL – Iniciei a escrever livros em 1984. Aliás, se for mais completo nesses termos, iniciei a escrever histórias em quadrinhos, anos antes, quando tinha apenas 9 anos de idade. Criava as histórias e as personagens, desenhava-as quadro-a-quadro e depois ia vender as revistas. Colori-as com lápis de cêra. As obras que vieram depois foram (algumas) frutos de pesquisa em bibliotecas, como as do Instituto de Educação do Amazonas (IEA), Escola Técnica Federal (ETFA/ETFAM), UA/UFAM e Biblioteca Pública. Algumas obras, na verdade, advieram de experiências oculares e pesquisa de uma vida inteira. As que consegui publicar (4) todas foram de investimento próprio. Em 3, não ganhei absolutamente nada. Além de pesquisar, escrever, editar e distribuir, o que me valeu mesmo de lucro foi a satisfação pessoal de transmitir um pouco do meu conhecimento a quem se interessasse.
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Valeu, Paulo Rogério. Como você sabe não daria para expor tudo o que foi passado para você, por características de reportagem.