SportsManaus
ARTIGOS

Vevé, o Didi da várzea

Foto: pt.dreamstime.com

Articulista

Jonas Santana

Ele era tão rápido quanto um galgo correndo atrás do coelho e tão ágil como um gato quando se tratava de se esquivar das pancadas desferidas pelos adversários contra suas finas canelas. Era verdadeiramente um artista da bola.

Com a elegância de um Didi (clássico meia do Botafogo na década de 60), Vevé desfilava nos campos de pelada suas habilidades. Querido pela torcida e pelos companheiros de time, o menino de jeito moleque aproveitava os domingos pela manhã para povoar o campo – estádio para alguns, com seus dribles desconcertantes e suas arrancadas fulminantes que, no invariavelmente resultava em tabela com Dirran, Zé Rosca ou o grande Nêrroda, amigo e companheiro de pelada.

Ele só sossegava durante a semana quando dividia seu tempo entre o trabalho (era office boy de uma empresa de entrega), a escola onde estava terminando o científico (ensino médio) e Fabiane, filha de seu Valdivino, mestre de obras mais sabido que muito engenheiro e quase o construtor da maioria das reformas das casas daquele bairro.

Quem olhasse para aquele rapazola não imaginava que ele já estava na casa dos seus vinte e poucos anos, pois sua carinha de menino, com bigodinho de recém chegado à adolescência jamais denunciaria  um jovem cheio de sonhos e que chegou inclusive a treinar no time profissional da cidade, mas a necessidade falou mais alto e ele teve que trabalhar para ajudar sua mãe, abrindo mão dos seus sonhos mas não de sua habilidade com a bola.

E era nos domingos que Vevé extravasava, através do futebol todos os seus sonhos e projetos. Ali, no campo de futebol situado no fundo do conjunto habitacional, onde morava ele, se realizava quando a galera, depois de um drible desconcertante e adversário no chão entoava “olé, olé, olé com a bola no pé só Vevé, Garrincha e Pelé”. E o jovem sonhava… E corria… E driblava… E sonhava até o outro domingo.

Mas Vevé também tinha suas peripécias no futebol. Contam que numa ocasião o time foi jogar no interior e ele e Pedro Preto resolveram fazer um “tour’ pelas redondezas. Pedro Preto era o único do grupo que tinha ido de carro, pois tinha que voltar pra trabalhar depois do jogo. E os dois saíram e foram num baile na cidade vizinha. Lá pelas tantas o carro quebra e eles só chegaram quase na hora do jogo, com penas de galinha pelo corpo, fedendo a titica, esbaforidos, ofegantes, com sono. Quando o treinador perguntou, porque não vieram de carona, eles explicaram que somente o carro das galinhas foi que se compadeceu deles e o único lugar vago no caminhão era junto das gaiolas, onde se transportavam as aves.

E era nos jogos de interior que eles sempre ganhavam um “troquinho a mais”, principalmente quando era torneio e os nossos astros participavam.

E foi num desses torneios que o fato aconteceu. Neste dia nosso atleta estava com a “chuteira nos cascos”, arrebentando com a bola no pé. O campo era daqueles típicos campos de interior, com as marcações feitas por troncos de coqueiro cortados e fincados nas linhas de escanteio, meio campo e laterais. Era um campo aberto e toda a torcida ficava em volta, formando um “caldeirão de gente” gritando e torcendo, numa agitação digna de feira de interior.

De repente, a turba começa a abrir espaços e a gritaria aumenta. Uma vaca recém parida, agitada com o barulho se solta e resolve interromper o jogo. Ora, a bola estava com o time de Vevé e o animal, incontinenti, partiu para cima, como se fosse mais um jogador do adversário.  Mas o jogo estava muito “pegado” e ninguém queria parar. E a bola corria de um lado para o outro, e a vaca atrás. O jogo estava se tornando uma tourada, cada um procurando se esquivar do animal que parecia estar gostando daquilo. E a torcida indo à loucura e gritando “olé”, enquanto os dois times proporcionavam um espetáculo surreal. Jogo contra o time adversário e contra a vaca. Alguns dizem que foi propositado. Mas ninguém se atreveu a provar até hoje.

E eis que Dirran, numa desabalada carreira fugindo do bovino, toca a bola para Vevé, que estava posicionado na ponta. A vaca, qual Lila em suas disparadas contra os seus oponentes, parte para cima de Vevé buscando roubar-lhe a pelota, com a chifraria baixada e pronta para desferir o golpe, fosse no jogador, fosse na bola. E mesmo diante dos gritos de “cuidado” é vaca parida, nosso craque não perde a oportunidade.

Quando o animal se aproxima, o jogador ginga na sua frente e, enquanto a vaca observa atônita e bufando aquele ser espigal joga a bola por lado, ao tempo em que corre pelo outro, dominando a pelota e partindo em disparada, seguido pela vaca que, refeita do inusitado drible, mais velocidade imprimiu a sua furiosa corrida, convicta de que lograria êxito no intento de acabar com o jogo. E foi com esse drible na vaca que acabou o jogo, pois naquela altura ninguém, nem jogadores nem torcedores ficou para registrar o feito.

Todos correram e a vaca idem. O resultado do jogo menos importou e sem o episódio do drible de Vevé. Depois desse evento, Vevé ainda perambulou por alguns times no interior, mas voltou a sua vidinha de segunda-feira, se formou e virou empresário no ramo de carnes.

Jonas Santana Filho

gestor esportivo, escritor, funcionário público e apaixonado por futebol

Contatos:

Jonassan40@gmail.com

Jonassan50 – skype

Jonassan40 – instagram

 

Outras postagens...

Jogo Difícil

Paulo Rogério

Nem pagando

Paulo Rogério

A torcedora símbolo: Dona Eliene

Paulo Rogério

Leave a Comment

Este site usa cookies. Isto é necessário para que sua navegação seja mais eficiente. Não coletamos nenhum dado pessoal do seu navegador. Entendi! Leia mais...